sexta-feira, 14 de março de 2014

OUTRA CARTA ABERTA PARA LETÍCIA SPILLER

Prezada Letícia:

Não nos conhecemos, apesar de trabalharmos na mesma empresa. Para começar, você tem meu respeito. E não quero falar sobre seu talento. Muito menos sobre sua beleza. Num momento como este, isso me pareceria machista e sexista e não creio que você mereça isso. Quero falar sobre solidariedade.

Espero que você e sua família estejam bem e que possam se recuperar o mais brevemente possível. Sei que o que viveram foi terrível e cruel. 


Na verdade, sei apenas em termos. Nos lugares em que vivi, uma parte das pessoas que conheci tornaram-se criminosos pelos mais diversos motivos. O principal deles foi a pobreza. Eu e alguns outros escapamos, sabe-se lá como. Talvez graças a pessoas que, como você, lutaram e lutam para que a desigualdade social diminua no país – seja através de políticas de inclusão, seja através de engajamento, seja através da arte.

Eu poderia ser uma das pessoas que invadiu a casa de sua família e só de pensar nisso me arrepio inteiro. Por outro lado, mesmo tendo ascendido socialmente, garanto que não posso ser confundido com nenhuma “esquerda caviar” (sic).

Ainda assim, espero que, após o tempo de luto por ter tido sua família violentada tão cruelmente, você não deixe de acreditar nas pessoas e na capacidade que elas possuem de se modificar quando damos oportunidades a elas. Eu sou prova disso.

Se isso não acontecer e você desistir de seu discurso de inclusão, ainda assim eu entenderei. Foi você quem viveu a violência, só você sabe o tamanho de sua dor, só você sabe o que pode e não pode fazer e sentir!

Quanto à outra crueldade à que você foi submetida – não a dos marginais, falo da outra, a do rapaz que prefere tripudiar para tentar fazer vencedoras sua teses – espero que a solidariedade de todos nós (artistas ou não, intelectuais ou não, isso pouco importa numa hora como estas!) possa confortá-la ao menos em parte.

Com carinho.

Eliseu Paranhos
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quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

E você? O que tem a dizer?

"Chega de mentir, de sofrer, de seguir um messias torto, frio, estéril. Quando deus morrer de tédio e de amor, o homem, em deus, verá sua imagem e semelhança.
Eu sou o homem, escapei à peste por pouco, não me engajei em nada. Me engajei naqueles jogos juvenis de guerrilhas não armadas. Nossas histórias - mesmo as de ficção - falam de amor, não de violência".

Esta é a primeira estrofe da música que encerrava o espetáculo "Um Certo Faroeste Caboclo" (1998). Lembrei-me disso - no bojo do aniversário de 16 anos da estreia do mesmo - quando li uma entrevista que dei a uma revista que fala sobre televisão.
Nela - na entrevista - falo sobre sucesso, cito bens materiais e outras coisas que o dinheiro compra e falo sobre sucesso, lincando, sobretudo, sucesso ao fato de ter tido uma infância muito pobre e viver bem e feliz graças ao que conquistei com minha profissão.
Lembro que quando escrevi a música acima eu não estava e não era feliz. Mas se algo não se modificou de lá até aqui é uma percepção de mundo segundo a qual o amor deveria vir em primeiro lugar. Amor ao próximo, aos meus semelhantes, aos meus diferentes, a alguém em especial, à humanidade.
Isso inclui senso de justiça, de igualdade e fraternidade, de oportunidades iguais para todos, coisas que se modificaram bastante no país desde então, apesar de continuarem ainda distantes do que considero ideal.
Claro que por tratar-se de uma canção feita para uma peça de teatro, há um pouco de ficção. Não acho que mentir seja necessariamente ruim, não parei de sofrer, obviamente. Mas há coisas que continuam iguais e vão ser assim para sempre.
Continuo achando que precisamos "matar" esse deus de algo bem humano - como tédio ou amor - para que ele passe a ter empatia pela criatura que, supostamente, ele criou. Para que pessoas como eu possam ver deus com mais simpatia.
De 98 para cá ficamos - a humanidade - mais preconceituosos, mais caretas, estamos matando viados como nunca, continuamos machistas e misóginos, tratamos pretos e pobres como coisas - vide "rolezinhos" e os discursos de ódio de gente dita "de bem" como Mainardi e Constantino.
Está cada vez mais difícil falar em ideologia ou em esquerda e direita! É como se não houvesse mais luta de classes. Em que lugar idílico vivemos, não sei. Devo estar em outro país, em outro momento.
Lembro que quando coloquei na letra da música a citação a Walt Withman (Eu sou o homem, eu sofri, eu estive lá, da qual usei só a primeira frase) eu pensava, sobretudo, no fato de Renato Russo ter morrido de AIDS no mesmo ano em que o coquetel chegou ao mercado e que era quase impossível imaginar que ele não tivesse acesso aos novos medicamentos. Isso era especialmente angustiante porque eu sabia, no fundo, que a questão não era essa, que era uma tristeza ancestral que matara Renato. E, que, fatalmente, me mataria também.
Num trecho suprimido da letra eu dizia:

"Se o cara disse: mãe, me deixa ir. Meu lugar não é aqui". Uma citação direta às palavras que teriam sido proferidas por Renato.

Na sequência eu afirmo:

"Eu digo: vou aproveitar, vou cantar, vou dar sentido a isso aqui. Esqueço, deixo prá lá. Todos têm suas próprias razões", tentando me convencer de que isso era mesmo possível.

Voltando à entrevista, é engraçado como as pessoas pensam em sucesso de uma forma diferente da que penso. Antes de fazer televisão eu costumava dizer que era muito fácil pensar em mim como um fracasso ou como um sucesso, dependendo de quem me olhava.
Ora, vivi desde sempre do meu ofício. Escrevendo, compondo, atuando, dirigindo, cantando, dando aulas de teatro e de canto, fazendo eventos ou telegrama animado, dependendo da necessidade. Isso é sucesso. Tenho pouco dinheiro no banco, não posso viajar sempre que quero nem conhecer todos os lugares que sonhei, não tenho casa própria, nem casa na praia, etc, etc, etc... Isso é fracasso.
Fiz cinema, teatro, publicidade e tv, agora na maior emissora aberta do país em horário nobre. Isso é sucesso.
Quase ninguém que me vê na tv já me viu alguma vez no teatro. Isso é fracasso.
O homem que escapou à peste por pouco sou eu. Isso é sucesso.
O mundo ao meu redor é cada vez mais reacionário. Isso é fracasso.

Afinal, qual é balanço que podemos fazer do que vemos ao nosso redor?

terça-feira, 12 de novembro de 2013

ALÉM DO HORIZONTE

Em 31 de maio - dia de meu aniversário - fui chamado ao Rio para um teste. Era véspera de minha viagem para a Itália.

Era um personagem da novela das 19 da Rede Globo, o personagem era um tanto quanto "Dias Gomes", a parceira de cena era Luciana Paes, uma excelente atriz paulistana com quem nunca havia contracenado.

Cinco meses depois ele começa a tomar corpo. Seu universo é muito, mas muito distante do meu. Seu vocabulário beira o absurdo e me fez me reconciliar com o prazer de atuar em função de suas características muito especiais.

Se me dissessem que isso aconteceria numa telenovela eu duvidaria.

Encontrei por lá pessoas com quem já havia trabalhado (Maria Luisa Mendonça, Caco Ciocler), gente que havia se tornado meu amigo de facebook (!) por admiração mútua (Alexandre Nero), gente de quem sou fã e não esperava ver tão cedo (Antônio Calloni)...

Sem contar nas queridas Sheron Menenzes, Yanna Lavigne e Mariana Rios, em Marcelo Novaes, nos gêmeos fofos Tiago e Diego Homci, em Begê Muniz, em Mariana Xavier e do especialíssimo garoto J. P. Rufino.

Vamos ver para onde vai Romildo, meu personagem. Espero me divertir com ele.

domingo, 14 de abril de 2013

Geraldo, Feliciano, Nicole, Daniela...

Quando eu dava aulas de educação artística no estado - pelos idos da década de 90 - uma garota foi violentada por um grupo de rapazes. O motivo alegado: ela provocava, usando roupas insinuantes.

Vinte anos depois esse tipo de argumento ainda se sustenta. E é irradiado por gente que deveria saber muito bem que está falando besteira. Por gente que enche a boca para dizer que prefere viver fora do Brasil em função do fato de sermos um país abaixo do cocô do cavalo do... Ah, vocês sabem...

Aliás, esse papo de que o Brasil é pior do que este ou aquele país é para lá de "demodè", é ignorância mesmo. Não porque sejamos melhores do que os europeus ou os americanos. Temos vícios diferentes, só isso. Poderia fazer uma lista imensa dos vícios que não compartilhamos com eles, da mesma forma que a lista de vícios que pertence apenas a nós deve ser igualmente imensa!

Assim, dá-lhe geraldo enfiando a mão na saia curta de nicoles, coisa difícil de ser defendida por quem quer que seja.

Minhas primas devem ser contra esse tipo de atitude. No entanto, elas parecem concordar com outro tipo de violência - contra homens e mulheres que amam pessoas do mesmo sexo.

Na verdade, quero crer que elas não são a favor deste tipo de violência, mas evangélicas que são, dão vazão a comentários de seus pastores que podem - e eventualmente levam - à violência contra gays e lésbicas.

Assim, gente boa acaba contribuindo para que nicoles, danielas e geraldos (que não são diretores de teatro radicados nos estados unidos, mas homens que só querem ser felizes com seus homens) tenham suas saias levantadas à força em nome de argumentos que caducaram.

O que podemos fazer para que os bons de um lado e de outro percebam que essa guerra não vai levar a lugar nenhum?...

Não, primas: Jean Willys não é o problema.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

MORTE NA BOLÍVIA

Faz tempo que não escrevo, faz muito tempo que não escrevo sobre esportes. Acontece que meu time acaba de protagonizar um incidente que sobrepõe, em muitos níveis, a façanha de ganhar a Libertadores do ano passado. Alguém soltou um sinalizador que matou um adolescente em Oruro.

O rapaz tinha a idade do Wagner, meu melhor amigo morto num acidente de trânsito quando tínhamos 14 anos - era 1984.

Adoraria que o time assumisse a culpa de sua torcida, aceitasse a punição, que as organizadas ligadas ao clube fossem banidas, que esse episódio fosse, para nós, algo parecido com o que foi aquele em que "Hooligans" ingleses tornaram-se responsáveis pelo banimento dos times ingleses das ligas européias.

Para que eu não tenha mais que formular conceitos complicados para defender, frente a meus amigos artistas e intelectuais, minha paixão por este esporte que poderia ser sublime, mas não passa, na maioria das vezes, do retrato da barbárie.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

COISAS QUE PENSEI

Em Londres as pessoas não prestam muita atenção em ninguém. São discretas, querem privacidade e respeitam a sua. Se você está disposto a aceitar esta regra talvez seja feliz por lá. Não há calor.

Em Paris as pessoas prestam muita atenção em você e deixam claro que só estão fazendo isso para que você se mantenha afastado delas.

Em Bruxelas as pessoas prestam alguma atenção em você.

Em Amsterdam as pessoas prestam toda a atenção possível em você, querem saber de você, fazem questão de demonstrar que se interessam por você.

Em Berlin... Bem, ninguém em Berlin sabe que você esteve lá. É uma ótima estratégia, assim você se esquece deles e do que houve por lá nos últimos cem anos...

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O MELHOR LUGAR DO MUNDO SÃO AS PESSOAS


Em Amsterdam nos encontramos com minha cunhada, Walkyria. Ela veio nos ver da Itália, onde está terminando um curso.

Visitamos alguns museus – o de Van Gogh é incrível, mesmo com acervo diminuído em função da reforma iminente -, bebemos vinho na praça Rembrandt, visitamos o bairro da luz vermelha com suas mulheres expostas, caminhamos pelos canais...

No penúltimo dia Juliana preferiu  caminhar sozinha pela cidade enquanto Walkyria e eu visitamos a fábrica da Heineken, apreciadores que somos desta cerveja.

Em resumo, trata-se de uma bem sucedida jogada de marketing – ao preço de 17 euros!!! – travestida de experiência acerca da história da cervejaria. Claro que, ao final, bebemos um bocado da tal cerveja que é, de fato, muito boa.

Estávamos para ir embora – um pouco tronchos, já – quando minha cunhada decidiu pedir a um brasileiro que estava por perto para tirar uma foto nossa.

Em poucos minutos nos tornáramos íntimos de dois casais de Natal. Um dos homens (não vou citar os nomes aqui já que não pedi autorização a eles para isso) era mais extrovertido, o outro mais reservado. Ambos boa gente, camaradas, desses que encontramos muito no Brasil e pouco fora daqui.

As mulheres grudaram na Walkyria para saber mais sobre a experiência dela como confeiteira na Itália, em pouco tempo já estavam enturmadas.

Não sei quanto tempo levou para que nos convidassem para ir a Natal visitá-los, nem para que solicitassem à Walkyria que fizesse o bolo de quinze anos das filhas...

Era incrível como se abria diante de meus olhos uma verdade: como o povo brasileiro é incrível, mesmo numa cidade de pessoas incríveis como Amsterdam!

Ao sairmos – já separados dos dois casais – começamos a falar sobre isso, sobre como era bom encontrar brasileiros tão longe de casa, quando ouvimos o rapaz gritar, do outro lado de uma praça, por nossos nomes:

- Pensamos que havíamos perdido vocês!!!

Então ele ligou seu GPS e nos conduziu até uma loja da Heineken próxima à praça Rembrandt na qual devíamos buscar uma lembrança da cervejaria e onde bebemos mais algumas cervejas – um deles não nos deixou pagar! Só brasileiros fazem isso!

Agora ele me escreve e abre os e-mails assim:

- Oi amigo!

Eu respondo, um pouco acanhado por ser tão fechado e não ter dito a eles o quanto foi fantástico conhecê-los, ainda que tenhamos nos visto por pouco mais de uma hora, a quilômetros de distância do Brasil...